Política Fiscal

FP-G2: O sistema tributário brasileiro é progressivo ou regressivo?

Atividade didática on-line FP-Economia Aplicada

Autores: Marcela e Bianca

 

O não cumprimento do princípio da simplicidade no sistema tributário brasileiro é um aspecto constantemente discutido. Ao contrário do que recomenda a teoria econômica, o sistema é de difícil operacionalização, gera altos custos para fiscalização e não é de fácil compreensão pelos contribuintes. Há, no entanto, outro aspecto fundamental que deveria receber mais atenção no país: o quanto nosso sistema é regressivo ou progressivo? Que tipo de consequência nosso modelo atual gera?

Teoricamente, pelo princípio de equidade, contribuintes com a mesma capacidade de pagamento devem pagar o mesmo nível de impostos e as contribuições devem se diferenciar conforme as diversas capacidades de pagamento. Isto pode resultar em pessoas de maior renda pagando menos tributo que os de menor renda (regressivo) em pessoas de maior renda pagando mais tributo que os de menor renda (progressivo). A carga tributária progressiva gera uma melhor distribuição de renda na sociedade, enquanto a regressiva provoca uma maior concentração de renda na sociedade.

Dados de 2014 do IBGE indicam que o índice Gini no Brasil está em 0,495, o que indica uma considerável concentração de renda. A título de comparação, a média do índice nos países da OCDE é de 0,318 – quanto mais perto de 0, menor é a concentração. Se a sociedade brasileira estivesse comprometida com a maior igualdade de renda, seria de se esperar que o país adotasse um sistema progressivo. Inclusive, na Constituição Federal de 1988, afirma-se: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. No entanto, uma análise do sistema tributário revela que encontramos um cenário diferente na prática.

Os tributos sobre a renda e a riqueza são diretos e tendem a ser progressivos, pois incidem sobre a capacidade de pagamento do contribuinte, fazendo com que os que ganham mais paguem mais.

Já os tributos sobre o consumo são indiretos e tendem a ser regressivos. Eles são relevantes porque garantem que parte da economia informal passe pelo sistema tributário e podem ser usados para diminuir externalidades negativas. Por outro lado, não diferenciam as capacidades de pagamento. Tributos sobre uma televisão, por exemplo, serão pagos igualmente, não importa qual a renda do comprador. Proporcionalmente, pesarão mais no orçamento das famílias de menor renda do que nas de maior renda.

No caso brasileiro, há dados que apontam que o sistema tributário brasileiro é mais regressivo do que progressivo. O primeiro deles é o fato de quase metade da arrecadação sei feita via bens e serviços. Quanto mais a estrutura tributária depende do consumo, maior é a tendência à regressividade. A tabela a seguir, tirada do estudo “Carga Tributária no Brasil 2015”, mostra que 49,68% da arrecadação é de bens e serviços:

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Além disso, o porcentual de gastos das famílias de menor renda com tributos é maior do que o porcentual das famílias de maior renda. Segundo o estudo “Tributação, Previdência e Assistência Sociais: impactos distributivos”, os 10% mais pobres da população brasileira destinam 32,8% da sua renda para o pagamento de tributos. Esse número cai para 22,7% entre os 10% mais ricos.

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Ainda sobre a tributação de renda no Brasil, pode-se argumentar que há poucas faixas de renda tributável. No ano-calendário 2015, havia cinco faixas de tributação, sendo qualquer renda superior a R$ 4.664,68 mensais seria tributada pela alíquota máxima de 27,5%. Estudo de 2012 da KPMG mostrou que as taxas de imposto sobre a renda podem chegar a 59% em Aruba, 52% na Espanha, 48% no Canadá, 40% na África do Sul e 34% na Venezuela.  

Considerando essas características, pode-se concluir que o sistema tributário brasileiro acaba onerando mais a população de menor renda, que arca com elevada tributação indireta. Por isso, diversas estudos sobre o sistema tributário brasileiro terminam por concluir que a tributação como um todo no país é regressiva ao invés de progressiva.”

 

BIBLIOGRAFIA

DIEESE. Imposto de renda pessoa física: propostas para uma tributação mais justa. São Paulo, 2017. Disponível em http://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec169IRPF.pdf

IPEA. Receita pública: Quem paga e como se gasta no Brasil. 2009. Disponível em http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/comunicado/090630_comunicadoipea22.pdf

KPMG. KPMG’s Individual Income Tax and Social Security Rate Survey 2012. Disponível em https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/pdf/2012/10/IRPF-2012.pdf

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Carga Tributária no Brasil – 2015. Brasília, 2016. Disponível em http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/ctb-2015.pdf

Salvador, E. O regressivo sistema tributário brasileiro. São Paulo, 2016. Disponível em http://www.cartacapital.com.br/economia/o-regressivo-sistema-tributario-brasileiro

Silveira, F. G. Equidade Fiscal: impactos distributivos da tributação e do gasto social. Brasília, 2011. Disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/325345/Tema1_3oLugar_Fernando_Gaiger_Silveira_076(2).pdf

 

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9 comentários em “FP-G2: O sistema tributário brasileiro é progressivo ou regressivo?”

  1. Considerados os princípios teóricos da tributação, bem como objetivos sociais consagrados pela Constituição de 1988, o sistema tributário brasileiro vem falhando miseravelmente em atender os requisitos. Como ressaltado no texto, a complexidade do sistema tributário contraria o princípio da simplicidade, e a sua preconização por tributação sobre consumo diverge do princípio da equidade. Tais fatores indicam um movimento à contramão da proposta constitucional de se buscar amenizar as desigualdades regionais e sociais, um verdadeiro contrassenso. Guardadas as devidas proporções, a regressividade apresentada no sistema tributário brasileiro faz lembrar algumas das práticas neoliberais do trickle-down, que teve seu expoente máximo em Reagan nos Estados Unidos, na década de 1980, quando havia redução de impostos sobre a renda para os mais ricos para que eles pudessem poupar mais e em consequência disso fazer mais investimentos produtivos.

    Atualmente, exemplos de outras nações indicam maior tributação de renda e patrimônio como formas de se equilibrar a arrecadação e tornar o sistema mais propenso à progressividade. No Brasil, historicamente, o que se vê são poucas faixas de tributação sobre a renda, desde a Constituição de 1988 o máximo de faixas que se alcançou foram cinco, ressaltando a regressividade, e ainda uma tributação incipiente sobre o patrimônio com impostos previstos na Constituição, como o Imposto sobre grandes fortunas, que ainda carecem até hoje de regulamentação para sua efetiva cobrança.

    A situação de crise e necessidade de revisão de gastos públicos e formas eficientes de arrecadação pelo governo apresenta um terreno fértil para a discussão de reforma tributária na Brasil. Resta saber se será devidamente abordada ou se continuaremos a reproduzir essa lógica complexa e regressiva.

  2. FHC e Lula tentaram realizar uma reforma da política tributária, mas nenhuma tentativa conseguiu promover uma transformação ampla que atenuasse a natureza regressiva do sistema brasileiro.

    Às portas da primeira iniciativa de Lula, VASCONCELOS, 2002 , menciona que, desde 1995, sete anos após a promulgação da Constituição Federal, “o clamor da população e mormente de diversos setores econômicos do país tornaram-se audíveis nos Poderes Executivo e Legislativo, demonstrando a necessidade premente de uma reforma tributária”.

    Há 22 anos, agentes políticos, econômicos e parte da população pedem reformas que corrijam a ineficácia redistributiva do sistema tributário.

    Ela atenua a arrecadação sobre o patrimônio e lucros e incide mais peso sobre os tributos indiretos. Além disso, mesmo com a explosão da carga tributária desde 1994, a oferta de serviços públicos continua precária. A combinação desses dois fatores intensificam ainda mais o desdobramento nocivo sobre a parcela mais pobre da população.

  3. O texto exposto faz um diagnóstico situacional, de maneira resumida e muito clara, a respeito do confuso e ineficiente sistema tributário brasileiro.
    Um ponto relevante que complementa a ideia colocada diz respeito às faixas de tributação sobre a renda. Essas faixas não vem sendo corrigidas de acordo a correção dos salários ou com a inflação. Essa correção está sempre abaixo desses dois índices, o que deixa o piso da renda, na faixa de alíquota máxima do imposto, cada vez mais baixo em termos reais. Isso prejudica a progressividade do imposto sobre a renda, pois iguala a alíquota de salários medianos e salários muito altos, conforme exposto na Nota Técnica da Dieese “Imposto de renda pessoa física: propostas para uma tributação mais justa”.

  4. O texto das colegas apresentou de forma bastante clara os principais aspectos que compõem a regressividade do sistema tributário brasileiro.

    Conforme pontuado no texto, quase metade da arrecadação tributária brasileira é obtida por tributos indiretos de mercadorias, bens e serviços. Segundo o chamado “Livro branco da tributação brasileira”, isso demonstra um aspecto relevante da carga tributária brasileira: sua concentração em poucas fontes de renda. O estudo menciona que em 2010, a carga tributária bruta global do país era de 34,19% do PIB sendo que cerca de 15,38% desse total foram retirados da economia por meio de tributos indiretos. Do ponto de vista dos princípios teóricos da tributação, isso demonstra um desequilíbrio do sistema tributário brasileiro em relação ao principio da equidade.

    Outro aspecto mencionado brevemente pelas colegas e que reforça a característica regressiva do sistema tributário brasileiro é que a tributação sobre “Rendas e Ganhos” representa 6,37% do PIB. Isso demonstra que aqueles impostos que tem como característica serem justos tendo em vista seu papel de distribuição, não são protagonistas no sistema brasileiro e aumentam, portanto, as distorções.
    No capítulo 7 do livro a tabela sobre “Carga Tributária Direta e Indireta sobre a Renda Total das Famílias em 1996 e em 2004” mostra que diferença de pagamento de tributos indiretos entre classes extremas era de 19,2% em 1996 e passou para 29,4% em 2004. Isso significa que a regressividade do sistema tributário do Brasil aumentou recentemente.

    Esses números indicam que as escolhas normativas feitas pela sociedade acabaram tornando o sistema pouco justo e, portanto, regressivo.

    É interessante notar que o debate sobre a reforma do sistema tributário brasileiro tem como principal foco a simplificação (princípio da simplicidade) do sistema e a sua melhora em termos de eficiência (principio da neutralidade). O princípio da equidade não está no centro das discussões.

    Fonte: “Avaliação da estrutura e de desempenho do sistema tributário Brasileiro: Livro branco da tributação Brasileira” – Banco Interamericano de Desenvolvimento

  5. No gancho do comentário da Patrícia, sobre o debate da reforma do sistema tributário brasileiro o princípio da equidade tanto não está no centro das discussões como dá apoio a conclusão das autoras: de que o sistema brasileiro acaba onerando mais a população de menor renda, e portanto é regressivo.

    A reforma que vem sendo discutida, com expectativa de que seja apresentado um parecer do relator já em março, defende a (re)criação de impostos como a CPMF e o IVA (cuja proposta é reunir ICMS, IPI, PIS, Cofins e ISS), que incidem sobre a produção e o consumo e tem caráter indireto, portanto classicamente considerados regressivos. Ou seja, ainda que a proposta aposte (e futuramente até agregue) em ganhos de simplificação e eficiência, aparentemente ainda não distribuirá de maneira mais justa o ônus tributário pelos indivíduos. O sistema tributário brasileiro é regressivo e tende a continuar a ser.

  6. O texto nos mostra claramente onde a tributação brasileira erra no quesito progressividade: os impostos no Brasil carregam a mão muito mais em impostos indiretos como IPI, ISS e ICMS do que nos impostos diretos, como o imposto de renda. Com isso, apesar dos bens de luxo pagarem alíquotas maiores, quando um consumidor de baixa renda compra uma TV por exemplo, ele paga o mesmo imposto que um consumidor rico pagou. O sistema tributário tem que ajudar na redistribuição de riqueza e renda. É assim nos países mais ricos. O Brasil tem que buscar este objetivo também.
    Dia dois de março começa a entrega das declarações do imposto de renda. Nele também há um exemplo da injustiça do sistema tributário brasileiro, há anos o reajuste da tabela não acompanha a inflação. O presidente da república prometeu no começo do ano que ainda em 2017 vamos ver a simplificação de alguns pontos da tributação brasileira. Que isso realmente aconteça, combinado a uma maior progressividade dos impostos no país.

  7. Muito pertinente e completa a análise das colegas. Complementando um ponto trazido na discussão, seria interessante também um detalhamento sobre os bens e serviços mais taxados, para entender e justificar o aspecto regressivo dessa tributação. Caso seja observada uma tributação expressiva sobre produtos básicos de consumo – comparativamente com parâmetros internacionais – e em relação a produtos de luxo, por exemplo, esse seria mais um argumento que corrobora para o aspecto regressivo da tributação brasileira. Além disso, outro aspecto que poderia ser mais explorado para analisar progressividade e regressividade é a tributação sobre propriedade. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a tributação sobre a propriedade corresponde a 6% da arrecadação brasileira, de 2012. Esse percentual é a metade do arrecadado em países como Estados Unidos (12%) e Reino Unido (12%); e 50% a menos que Argentina (9%) e França (9%). Sendo essa considerada uma forma de tributação menos regressiva que a tributação sobre bens e serviços, seria importante avaliar a tributação sobre a propriedade como alternativa para o caráter repressivo da tributação no Brasil – incluindo imposto sobre grandes fortunas, transferência de herança, entre outras.

  8. O texto mostra claramente os conceitos envolvidos no sistema tributário brasileiro. Não podemos concluir que a carga tributária no Brasil gera um efeito regressivo, mas muitos dados indicam isso. A falta de simplicidade é o primeiro fator que nos mostra esse efeito. É muito difícil entender os parâmetros de cobrança para alguns tributos. A composição e a distribuição dos recursos também não deixam claro o destino daquilo que pagamos. A população busca uma relação direta: se paga imposto, precisar usufruir de um bem público ou ter acesso a serviços oferecidos publicamente. Em parte do texto acima, os autores mostraram claramente o impacto de uma tributação focada em consumo e serviços de forma indireta. A informalidade é uma das causas desse modelo tributário, mas hoje acredito que uma tributação pela renda e riqueza de forma igualitária diminua distorções. Para isso, precisamos de uma reforma tributária urgente. Por ora, respondendo a pergunta do título desse trabalho, ao analisar o índice de Gini, poderíamos dizer que o sistema tributário brasileiro é mais regressivo do que progressivo.

  9. É de amplo conhecimento que o Brasil é o pais com a maior carga tributária na américa latina e figura dentre as maiores do mundo, é fato que este peso causa muitos entraves no desenvolvimento econômico mas leva a questão de que por que grandes economia possuem uma carga tributária igual se não maior que a brasileira mas não sofrem do mesmo mal ?
    As diferenças ficam principalmente na forma em que estas tributações ocorrem e em seguida na distribuição destes valores entre a federação e os estados e municípios.
    Por exemplo, o Brasil possui um percentual de impostos sobre renda e lucro relativo mente baixo, na ordem de 5,5% em relação a países como a Inglaterra que possuem os mesmos impostos na casa dos 11 % e tem quase a mesmo percentual de carga tributária em relação ao PIB (fonte OCDE). A tributação nacional concentra-se sobre a produção de bens e serviço sendo um dos únicos do mundo a tributar, por exemplo, as exportações.
    Fora o fato do modelo tributário brasileiro não ser um belo exemplo aos demais países, a sua distribuições dos valores provenientes desta tributação também não figura dentre as melhores dado que quase 70 % do que é arrecado fica com a federação 25 % com os estados e apenas 5% com os municípios.
    Por fim podemos avaliar que o modelo de tributário brasileiro carece de profundas reformas, pois o sistema atual é burocrático, complexo, e muitas vezes classificado como regressivo.

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